O FIM DAS TOMADAS
Ao investir
alto para viabilizar a transmissão de eletricidade sem uso de fios, empresas de
tecnologia prometem desplugar o mundo nos próximos anos.
Você está no trânsito, a caminho de uma reunião importante. Ao perceber
que irá se atrasar, saca seu smartphone para avisar os colegas. Mas a bateria
do aparelho também acabou. E seus contatos estão todos nele. Se depender das
empresas de tecnologia, cenas como essa estão por um fio. Sem muito alarde,
companhias americanas e europeias estão começando a desenvolver a tecnologia
que permitirá transmitir energia a longas distâncias. Isso significa que a
bateria de um tablet, por exemplo, poderá ser recarregada automaticamente
quando você entrar com o aparelho em casa, e o mesmo poderá acontecer com todos
os eletrodomésticos e eletrônicos da residência (leia quadro). Tudo sem cabos,
sem carregadores.
A transmissão de eletricidade sem fios tem história. Há cerca de um
século, o cientista austríaco Nikola Tesla (1856-1943) desenvolveu algo
semelhante nos Estados Unidos. Era uma época sem celulares ou notebooks, o que
fez o invento parecer sem propósito e ser abandonado. Mas ele não foi
esquecido. Em 2007, um grupo de pesquisadores do Massachusetts Institute of
Technology (MIT), nos EUA, liderados pelo professor Marin Soljacic, decidiu
retomar o experimento e dar o próximo salto. A ideia surgiu quando o cientista
foi acordado pela terceira noite seguida pelo celular de sua esposa, que
apitava avisando que a bateria estava no fim. Com tanta energia circulando pela
casa, a possibilidade de criar meios para que o simples aparelho pudesse se
recarregar sozinho ganhou fôlego.
Depois de alguns estudos, o grupo conseguiu acender uma lâmpada de 60
watts a dois metros de distância de qualquer fonte. A partir daí, o que parecia
despropositado virou um negócio potencialmente rentável em tempos de
smartphones e tablets que consomem cada vez mais energia. Em consequência, os
pesquisadores fundaram nos EUA a WiTricity, empresa responsável por
desenvolver, produzir e vender a tecnologia da transmissão de energia elétrica
sem fios. Hoje, o grande desafio tecnológico e operacional é tornar os
transmissores mais portáteis e padronizar cada dispositivo eletrônico –
eletrodomésticos, ferramentas, celulares, etc. – disponível no mercado. “É
complicado fazer com que os grandes fabricantes de eletrônicos adotem uma
tecnologia que nunca viram antes e tornem seus produtos recarregáveis sem o uso
de fios. Mas acreditamos que a próxima geração de aparelhos portáteis virá com
carregador wireless de fábrica”, disse à ISTOÉ o diretor de marketing e
produtos da WiTricity, Yinon Weiss.
E não são apenas os aparelhos domésticos que poderão ser recarregados
dessa maneira. De acordo com os pesquisadores, quem dirigir um carro elétrico
poderá no futuro reabastecer o veículo simplesmente estacionando-o próximo a
uma fonte na garagem de casa. Grandes companhias, como a Toyota, já estão
formando parcerias com empresas que desenvolvem a eletricidade sem fio. Além
disso, outras iniciativas semelhantes surgiram no mercado, como a HaloIPT, que
desenvolveu um carregador wireless para carros elétricos. De acordo com o
presidente da companhia, Anthony Thomson, o produto deve estar à venda dentro
de três ou quatro anos.
Nem todo mundo compartilha o otimismo das empresas. Para o especialista em eletromagnetismo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo José Roberto Cardoso, a tecnologia não chegará tão longe. “Esse sistema funciona para aparelhos que exigem baixa potência, como celulares. Para o grande volume de energia exigido para os carros, o campo magnético teria que ser muito intenso, o que colocaria em risco a saúde das pessoas”, explica o especialista.
Nem todo mundo compartilha o otimismo das empresas. Para o especialista em eletromagnetismo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo José Roberto Cardoso, a tecnologia não chegará tão longe. “Esse sistema funciona para aparelhos que exigem baixa potência, como celulares. Para o grande volume de energia exigido para os carros, o campo magnético teria que ser muito intenso, o que colocaria em risco a saúde das pessoas”, explica o especialista.
Essa é, aliás, uma das primeiras preocupações de quem quer se livrar de
vez dos fios e carregadores. Afinal, a imagem de vários campos de ondas
magnéticas percorrendo a sala de estar enquanto assistimos à tevê não é nada
tranquilizante. Mas Weiss afirma que não há perigo. “Nossa tecnologia não é
radioativa. Os campos magnéticos que criamos têm força semelhante aos que
existem naturalmente na Terra. Além disso, a baixa densidade dos sinais
emitidos pelos dispositivos quase não interage com organismos vivos”, defende o
executivo da WiTricity. Que assim seja. Ao mesmo tempo que nos livra dos fios,
essa tecnologia pode levar embora também os choques.
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